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1. Leia o causo O defunto vivo, de Jair Kobe.
Dica: não interrompa a leitura, mesmo que desconheça o significado de algumas palavras, pois elas podem ser compreendidas pelo contexto.
O defunto vivo
Este causo aconteceu em uma cidadezinha do interior gaúcho.
Era tão nanica a cidade, que chamavam o prefeito de síndico.
No comércio local, destacavam-se o Bolicho do seu Antenor, estabelecimento que abastecia a cidade com tudo que se possa imaginar, e o velho caminhão do Genésio, que fazia os carretos para a cidade vizinha.
Dizia-se que o veículo era tão antigo que, se por acaso não estivera no dilúvio, pelo menos atolara as rodas no lamaçal.
Nem funerária a cidade tinha. Por isso, quando alguém batia as botas, costumavam contratar o Genésio, para buscar o caixão na cidade vizinha, com seu velho caminhão.
Certa feita, vinha pela estrada o Genésio em seu caminhão, com uma fúnebre encomenda na caçamba, quando um vivente fez sinal, pedindo carona. O Genésio parou.
— Bom dia, tchê! Se tu não te incomodas de ir na carroceria, junto ao caixão, podes subir que te levo de bom grado.
O chiru disse que não tinha importância, pois estava apressado. Agradeceu a gentileza e trepou no caminhão, mais faceiro que mosca em tampa de xarope. E assim a viagem prosseguiu.
Nisto começa uma chuvarada, daquelas que molham até a alma.
O bagual, que viajava ao relento, não tendo onde se abrigar da chuva, vendo o caixão dando sopa, achou boa ideia deitar-se dentro dele, fechando a tampa, para melhor abrigar-se. Com o balanço da viagem, logo cochilou.
Mais na frente, outro vivente pediu carona. O Genésio falou:
— Se tu não te importas de viajar com o outro que está lá em cima, podes subir.
O segundo homem subiu no caminhão. Embora achasse desagradável viajar na companhia de um defunto em seu paletó de madeira, era melhor que andar a pé até o vilarejo.
De tempos em tempos, novos caronas subiam na carroceria, sentando-se respeitosos em silêncio, em volta do caixão.
E assim prosseguia o velório ambulante, rumo ao povoado, mais devagar que tartaruga grávida.
Avizinhando-se da cidadezinha, ao passar num buraco da estrada, um tremendo solavanco sacudiu o caixão, despertando o dorminhoco que se escondera da chuva dentro dele.
Levantando devagarinho a tampa do caixão e pondo a palma da mão para fora, o gaudério fala em voz alta:
— Tchê! Já parou a chuvarada?
Foi um corre-corre! O povo apertou o passo, partindo dali mais ligeiro que cavalo de parteira. Não ficou um único corajoso em cima do caminhão. Dizem que tem gente correndo até hoje.